domingo, 14 de junho de 2009

Agostinho e Hortênsio


Com 16 anos Agostinho foi para Cartago e lá buscou uma vida com maiores amores e emoções, pois “odiava” a sua “vida estável e o caminho isento de riscos”, por que sentia dentro de si “uma fome de alimento interior”, que posteriormente mostraria ser fome de Deus (L III, 1). Entregou-se, então, aos espetáculos teatrais, ao qual mais tarde chamou de “rematada loucura”. Isto nada mais era que um apego à cultura clássica, sendo mais evidente quando Agostinho entra em contato com Cícero.
Ainda jovem Agostinho começou a fazer parte de um grupo de companheiros que se intitulavam “os demolidores, nome sinistro e diabólico”, diz em suas confissões, “por eles considerado um distintivo de elegância”. Ainda que seguisse o grupo, as atitudes destes horrorizavam ao santo por suas atitudes, “isto é, as troças com que insolenimente assaltavam a simplicidade dos calouros, a quem amedrontavam, rindo-se sem razão e achando nisso pasto para as suas malvadas alegrias. Nada mais semelhante aos seus atos que as ações do próprio demônio. E assim, que nome mais acomodado para eles do que o de ‘demolidores?’” (L III, 3).
Com este grupo, e já nascido seu filho Adeodato, o bispo de Hipona chegou por seus 19 anos ao livro Hortênsio de Cícero, “cuja linguagem, mais do que o coração, todos louvavam. Esse livro contém uma exortação ao estudo da filosofia e”, segundo o próprio Agostinho, “mudou o alvo de minhas afeições e caminhou para Vós, Senhor, as minhas preces, transformando as minhas aspirações e desejos (L III, 4).
Já neste período de sua vida Agostinho sentia falta do nome de Jesus Cristo quando este não estava presente em suas atividades –no que lia ou fazia. Como em Cícero faltavam referências de Jesus, dedicou-se, então, a tentar ler a Bíblia na esperança que esta lhe esclarecesse algo. Todavia não avança perante a “simplicidade da Bíblia”, um livro sem elegância se comparado com a refinada linguagem ciceroneana. O Santo fez o seguinte juízo do Livro Sagrado: “A sua simplicidade repugnava o meu orgulho e a luz de minha inteligência não lhe penetrava no íntimo”. Resume que a linguagem bíblica é infantil e que se achava na “conta de grande” demais para lê-la (L III, 5).
Destarte a maneira que Agostinho coloca a linguagem da filosofia sobre a bíblica, não são elogios os que ele teceu sobre aquela em suas confissões. Tratou a filosofia tão somente como um meio de sedução que alguns utilizavam “colorindo e adornando os seus erros com um nome glorioso, suave e honesto”. Mas como era Santo Agostinho a representação da transição entre dois período (pagão e cristão), não deixou de saborear Hortênsio como um pagão, pois confessaria: “apenas me deleitava naquela exortação, o fato de essas palavras me exitarem fortemente e ascenderem em mim o desejo de amar, buscar, conquistar, reter e abraçar, não esta ou aquela seita, mais sim a mesma sabedoria, qualquer que ela fosse” (L III, 4). Por incrível que pareça, não se trata de um elogio e sim a maneira de Santo Agostinho combater o paganismo como uma vida sem sentido que ele mesmo levou e da qual se redimiria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário