domingo, 14 de junho de 2009

Santo Agostinho e o seu contexto


O cristianismo surgiu durante o império de Otávio Augusto levando em conta três principais fatores históricos: a religião israelita; o pensamento grego; e o direito romano –menos óbvio, porém serviu de sistematizador do novo organismo social: a igreja. Dentre os dogmas que levou os seguidores de nazareno a confrontar-se com o judaísmo, um fundamental foi a figura de Cristo como tábua de salvação para o mal.
Entre os principais apologetas cristãos estaria o que mais influenciou Agostinho, isto é, Paulo de Tarso, que viajou pelo oriente e ocidente predicando a palavra de Jesus, morrendo em Roma. São Paulo formulou a teoria que o problema do mal, do sofrimento e do pecado tinha solução em Cristo, ficando conhecido como o “teólogo da redenção”, dividindo importância doutrinária com São João, o “teólogo da encarnação”, pois vira no Nazareno o verbo de Deus encarnado.
Dois dogmas muito importantes criados por esse período primitivo foram muito tratados na obra de Agostinho, foram estes o pecado original e a redenção pela cruz, pela qual o próprio bispo de Hipona se redimiu. Para o patrístico, o homem poderia utilizar-se desta vida para, em Cristo, encontrar Deus além da morte.
E foi no século II, ainda no ar as memórias de Jesus Cristo, que surgiu a Patrística, um período do cristianismo que perduraria até o século VIII, quando foi superada pela Escolástica, deixando, entretanto, a obra do maior de todos os pensadores cristãos: Aurélio Agostinho.

No período pré-agostiniano prevaleceu uma defesa do cristianismo feita através dos padres apostólicos, apologistas e controversistas, frente aos combates pagãos.
No século III, no oriente, o cristianismo crescia em contato direto com a cultura clássica helênica, esboçando as primeiras utilizações da filosofia pagã com Clemente Alexandrino e Orígenes. Este último criou a primeira grande síntese da doutrina cristã em um pensamento filosófico. No ocidente os africanos predominavam na intelectualidade da nova religião através de Santo Ambrósio e São Jerônimo. Através deles o norte da África seria o berço da intelectualidade latina por muito tempo (São Cipriano, Novaciano, Arnóbio, Lactâncio).
A patrística levava uma vida monástica e ascética, florescendo graças à proteção de Constantino e o Edito de Milão (313) que declarava a igreja católica livre, sendo instituída como religião do estado romano com Teodósio em 380. Antes, em 325, o concílio de Nicéia reunira mais de 300 bispos, mostrando a força da religião.
Mas o crescimento trouxe tenazes combatentes e o cristianismo sente a necessidade de sistematizar o seu discurso, começando assim uma construção intelectual utilizando a lógica aristotélica. Era mister uma defesa racional e filosófica para combater as heresias. Atanásio (295-373) formulou, neste contexto, a doutrina da trindade.

Também neste contexto nasceu no ano de 354 –em Tagaste, Numídia, na África (atual Argélia)- Aurélio Agostinho. Longe de sua infância francos, saxões e alamanos invadem a Gália enquanto os Hunos urgem na Rússia. Na adolescência seguiu a cultura clássica, inspirada por um livro de Cícero, tendo entregado-se posteriormente a doutrina do maniqueísmo, como veremos em breve. Com 32 anos converte-se ao cristianismo após ler as cartas de Paulo de Tarso, passando a escrever as suas primeiras obras.
Em 387 é batizado com Alípio e seu filho Adeodato. Após a morte de sua mãe Mônica, em 388, vai para Roma em seguida passando a viver monasticamente em Tagaste. Em 389 morre Adeodato.
Agostinho torna-se presbítero em 391 e bispo de Hipona quatro anos depois. A obra “As Confissões”, fonte principal de estudo sobre o bispo africano neste trabalho, foi escrita entre 397 e 398.
No início do século V, já avançado em idade, Agostinho vê o império romano cair aos poucos nas mãos dos bárbaros. Os saxões invadem a Bretanha, os vândalos e suêvos invadem a Espanha e em 410 Alarico conquista Roma. Três anos depois Agostinho começa a escrever sua principal obra: “A Cidade de Deus”, defendendo que a Jerusalém terrestre caíra (Roma) por ser pagã, tendo os homens que buscar a salvação na Jerusalém celeste, ao lado de Deus. Anos depois, em 429, os vândalos conquistam a África e um ano depois o bispo de Hipona morre.



Um pouco mais

Com Agostinho a patrística chega ao seu apogeu e depois ao seu declínio. Uma das principais razões internas é que já não era mais possível o desenvolvimento de teorias místicas e filosóficas sem cair na absoluta razão. Externamente, a queda do império romano, a cisão do oriente com o ocidente e com este nas mãos dos bárbaros enquanto aquele sofria com os árabes; tudo contribuiu para que a igreja passasse a ser a guardiã única do mundo. Era necessário mudar de objeto de especulação, passar do sobrenatural para a natureza e sair da filosofia clássica para constituir um pensamento verdadeiro e peóprio dos cristãos, pois com a patrística a teologia já estava consolidada.
Mas o legado foi deixado no século IV, quando um homem nasceu entre a queda de Roma e a ascensão do cristianismo, sabendo transformar em benção de Deus o que era para os homens maldição. Agostinho era a Roma que virava cristã, pois ele próprio começara pagão. Agostinho era o romano que abandonava a cultura helênica, para abraçar o Verbo encarnado, quando deixara para trás a retórica em busca da bíblia, ainda que não a compreendesse. O caminho que o homem de bem deveria seguir era, como ele, largar a vida vulgar e pecadora para encontrar em Jesus a salvação. Agostinho também representava o homem que deveria abandonar as heresias para encontrar a virtude nas escrituras sagradas, pois ele próprio fora um herege (maniqueísta) e conseguira encontrar o caminho a tempo.
Em contrapartida, Agostinho foi um neo-platônico e deu a todo o ocidente uma visão dualista de bem e mal que nos acompanha até os dias de hoje. Assim podemos dizer que ele não conseguiu livrar-se totalmente de seu lado romano, pagão e até mesmo do que ele considerava heresia. Entretanto isto apenas demonstrava que ele era fruto de seu tempo, mas que sempre que suas defesas apresentavam dúvidas ou caminhos alternativos de argumentação, o Santo não hesitava em ficar com a Bíblia e a palavra de Cristo. Representava a própria passagem do paganismo para o cristianismo, que internamente nele foi vencedor, tal qual graças a ele, externamente prevaleceu.

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