domingo, 14 de junho de 2009

Um pouco de Vigiar e Punir

Foucault descreve o panóptico de Bentham que é uma figura arquitetural a qual descreve muito bem a sociedade das instituições coercivas e corretoras do homem:

na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada sala trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.

Todos passam a ser, então, sozinhos, individualizados e visíveis. O sistema panóptico permite ver sem parar e reconhecer imediatamente. Se os delinqüentes, como um geral –sejam loucos, operários, alunos, etc.- são colocados imediatamente em suas unidades corretivas, não haverá perigo algum à sociedade. Esse aparelho panóptico é, portanto, uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce, ou seja, que os detentos se encontrem de tal maneira em uma situação de poder do qual eles mesmos são os portadores, pois todos estarão em um contínuo estado consciente de permanente vigilância. Porém o essencial para as autoridades públicas é que o prisioneiro sinta-se vigiado em exceção, ainda que não haja necessidade de sê-lo efetivamente. A vigia se faz por um poder visível porém inverificável, que pode ver tudo sem nunca ser visto, o que é importante pois automatiza e desindividualiza o poder. O panóptico é uma fantástica máquina que parte dos desejos mais diversos para fabricar efeitos homogêneos de poder. Uma das relações que Foucault faz é como sendo um zoológico real em que o animal é substituído pelo homem, a distribuição individual pelo agrupamento específico e o rei pela maquinaria de um poder furtivo. Pode também, o panóptico, ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos, quer dizer, um grande laboratório de poder. Mas o poder por ele exercido tem que ser com uma limitação rígida ou como um peso e sim que esteja presente de modo sutil para aumentar a eficácia e seus pontos de apoio. Por fim o autor expande o conceito de panoptismo de Bentham para toda a sociedade, flexibilizando-o e dando-lhe o status de uma nova “anatomia política” cujo objeto e fim não são a relação de soberania, mas as relações de disciplina com o objetivo de criar a sociedade disciplinar, em que um dispositivo funcional deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir.
O que comprova a teoria de Foucault é a multiplicação das instituições de disciplina, com sua rede que começa a cobrir uma superfície cada vez mais vasta e principalmente ocupar um lugar cada vez mais marginal. O autor então analisa a extensão destas instituições por três processos mais profundos. Seriam eles:
1) A inversão funcional das disciplinas, que deixa de punir para neutralizar os perigos a passa a preocupar-se em aumentar a utilidade possível dos indivíduos, ou seja, disciplinar os incorretos e readaptá-los à comunidade, pois assim cresceria a habilidade de cada um, faria crescer as aptidões, as velocidades, os rendimentos e, portanto, os lucros. Já no começo da Revolução Francesa a finalidade do ensino primário era fortificar, desenvolver o corpo, dispor a criança para qualquer trabalho mecânico no futuro, mãos firmas, hábitos rápidos, etc. o ideal era, portanto, multiplicar as instituições que passassem estas visões disciplinares.
2) A ramificação dos mecanismos disciplinares: aqui Foucault apenas expande o conceito geral do panóptico, deixando claro não tratar-se apenas de uma prisão, mas sim de diversos outros panópticos que se formam dentro de um panóptico maior, ou seja, as escolas, o exército, um hospital, um manicômio, grupos religiosos, dentre outros.
3) A estatização dos mecanismos de disciplina: em que é demonstrado que quanto mais sobre o poder do estado estiverem as instituições disciplinadoras, maior o poder do estado sobre a população, porém que é imprescindível que ao menos a polícia esteja estatizada, ou melhor, o sistema policial, para todas as pequenas funções de coerção, como procura de criminosos, vigilância urbana, e controle econômico e político, em poucas palavras, as “coisas de todo instante”, tudo o que acontece” ou “coisa à-toa”, pois um soberano com uma polícia disciplinada acostuma o povo à ordem e a obediência. A disciplina, como um geral, assegura uma distribuição infinitesimal das relações de poder.
Porém o ponto ideal da penalidade hoje, como aponta Foucault:

a disciplina infinita: um interrogatório sem termo, um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame, um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontra-la no infinito. (...) A ‘observação’ prolonga naturalmente uma justiça invadida pelos métodos disciplinares e pelos processos de exame.”

Aqui se encontra o resumo da tese que Foucault visa apresentar em seu livro Vigiar e Punir, na medida em que estão os conceitos práticos e teóricos do que é a vigília e a punição da sociedade moderna, tal como o seu processo do século XVII até os dias de hoje. Na quarta e última parte do livro, Prisão, dividida em três capítulos, o autor trabalhará conceitos mais restrito de como se elaboraram as instituições como a prisão dentro de um corpo jurídico tal como a aparelhagem desta com relação à sociedade no capítulo Instituições Completas e Austeras. No segundo capítulo Ilegalidade e Delinqüência falará das leis enquanto privação da liberdade e do encarceramento como projeto técnico, encerrando no capítulo O Carcerário, em que tenta determinar temporalmente o surgimento dos cárceres em unicidade com os dispositivos legais que a ela efetivam os delinqüentes sociais.

Conclusão:

O que mais impressiona em um teórico como Michel Foucault é a facilidade com que trabalha um tema relativamente difícil. Sua linguagem é extremamente acessível e sua obra muito ilustrativa, já que se utiliza de exemplos claros e intercalados amplamente com o assunto com que trata. Também intercala muito bem as teorias de outros pensadores com o britânico Bentham, autor que influenciou o sistema penitenciário francês, dividindo-o em três fases (1815 à 1848; 1848; e 1873-1875). Bentham, como Foucalt, acreditava que o sistema penitenciário desviou-se profundamente de suas intenções originais, vendo a prisão como ilusória válvula de segurança de nossa sociedade. Mas para Foucault, a obra Vigiar e Punir é basicamente sobre saber e punir, ou seja, saber que está sendo olhado, vigiado e se punir moralmente antes que o crime se concretize. Uma obra sobre a sociedade disciplinar que individualiza o homem em nichos sociais, cada qual com seu panóptico e fundamentalmente mostrando que a punição sujeita àqueles que estão fora dos olhos das autoridades, àqueles ainda não enquadrados dentro de sistemas disciplinados, para que a punição seja uma readequação social que não cause danos à sociedade. Vale ressaltar a habilidade com que Foucault incorpora em sua teoria de legislações penais todos os âmbitos institucionais, como hospitais, escolas, sindicatos e tudo o quanto mais se organiza em células sociais.

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