domingo, 14 de junho de 2009

VOLTAIRE E ROUSSEAU: duas faces do iluminismo

Introdução

Lembro-me de quando fiquei sabendo que poderia apresentar um seminário a minha escolha para a disciplina de História Moderna II: fui logo até a professora e pedi que me fornecesse um tema. Infelizmente eu estava atrasado e quase todos os disponíveis já tinha sido escolhidos por outros grupos de alunos. Restava apenas Rousseau, o que, de início me neguei a confirmar com a professora, desculpando que iria montar um grupo de apresentação.
Estava acabado. Interessava-me o Voltaire, mesmo porque já havia lido o livro Cândido ou otimismo e acreditava, não sei porque cargas d’água, que Rousseau era chato. Procurei o grupo de Voltaire, mas este já estava em seu limite. No dia seguinte confirmei tristemente à professora que ficaria com o suíço de Genebra. Ela falou que eu ia adorar o texto Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Confesso que duvidei, mas foi iniciar o texto e comprovar que ela estava certa. Ainda não consegui livrar minha cabeça das idéias que recebi. Em todos os trabalhos posteriores que apresentei o citei. Mesmo quando, na aula de Legislação e Ética, em jornalismo, enquanto discutia Jean Baudrillard e a sociedade de consumo tecnológico, tive que citar Rousseau, é necessário divulgar a idéia desse autor.
Entretanto quem me ouvir falando pensará que arrasei no trabalho. Não. Foi, na minha concepção, um fracasso do qual fiquei na dívida com todos os que me escutaram e também com Rousseau, que merece algo melhor. Por isso insisti no tema.
Tirando por mim, um estudante de História do século XXI, imagino como ficou o europeu do século XVIII, com as idéias revolucionárias que chegaram a ser proibidas na universidade de Coimbra, para que a elite das colônias não lesse um discurso contra a autoridade e a desigualdade. (CARVALHO, J.M. A construção da ordem, Rio de Janeiro, 1996)
Um pouco de metodologia

A minha proposta inicial era de relacionar Voltaire e Rousseau e procurar, em suas próprias obras, onde se encontravam e divergiam os dois autores, assim como qual deixou maior legado para o futuro. Posteriormente mudei de idéia: iria analisar apenas Jean-Jacques, pois apenas este já era material suficiente de estudos. Mas voltei atrás e tentarei por em prática a proposta inicial.
Porém é importante ressaltar que a disputa a qual porei entre os dois pensadores é desigual. Primeiro porque apaixonei-me demasiadamente por Rousseau e seu espírito contestador, segundo, e em função da primeira, que as fontes pesquisadas de Rousseau são mais densas e variadas.
Li o Discurso Sôbre as Ciências e as Artes, Discurso Sôbre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, O Contrato Social, além do livro Rousseau uma arqueologia da desigualdade, de Olgária C. F. Matos. Quanto a Voltaire li apenas Cândido ou Otimismo, o que é muito pouco para compará-lo com o primeiro a não ser que se busque tão somente desmerecer o pensador.
Assim, iniciarei com uma comparação entre as biografias de cada um para analisar seus encontros e choques com o(s) poder(es). Passarei em seguida por um breve resumo das obras citadas –sendo mais sucinto com Rousseau, pois seu material aqui é mais vasto- e logo depois relacionarei os autores, concluindo em seguida. Se lograrei êxito, não sei, mas seguramente será um desafio cutucar essa cobra de duas cabeças com uma vara tão curta: meu pouco conhecimento.

Voltaire e Rousseau: uma cobra de duas cabeças

Em 1694 nasceu, em Paris, François-Marie Arouet, mais tarde chamado de Voltaire. Jovem, cursou a faculdade de Direito e por influência do pai conseguiu um emprego como secretário pessoal do Marquês de Châteauneuf. Esse trabalho facilitou seu acesso à corte de Paris, onde aos 21 anos se destacou pela inteligência e espírito. Porém morreu Luís XIV, ficando como regente o Duque de Orléans. Como Voltaire animava os salões com piadas do Duque, este resolveu pôr Voltaire, em 1717, um ano na prisão da Bastilha. Lá escreveu a obra Édipo, que teve grande sucesso, garantiu sua saída da prisão, além de uma gorda pensão que o sustentaria toda a vida. Após uma briga com o Duque de Sully em 1726, teve que ir para a Inglaterra ou voltaria à prisão.

Em Genebra, a 28 de junho de 1712, nascia Jean-Jacques, filho do relojoeiro e mestre de dança Isaac Rousseau e de sua mulher Suzane Bernard, que morreria oito dias após o parto. Outra Suzane viria a cuidar dele, era sua tia paterna que ficou com o menino enquanto o pai viajava a trabalho em Constantinopla, estando difícil em Genebra.
Rousseau aprendeu a ler com a tia, que lhe enviou ao Pastor Lambercier, em Bossey, que após dois anos o expulsou do local acusando-o de Ter roubado o pente da Srta. Lambercier, irmã do pastor. Foi severamente punido, tendo ficado gravado o resto da vida tal injustiça, fazendo-o inimigo de todas as demais injustiças, como diria em suas Confissões. Tendo que seguir uma profissão, Jean-Jacques trabalhou em uma oficina de um gravador tirano, no qual respondia contra sua exploração com pequenos furtos.

Na Inglaterra Voltaire ficou encantado com o sistema político em que o rei não governava sem o parlamento, acreditando estar o país em um momento histórico mais avançado. Em 1729 voltou para a França e publicou cinco anos depois suas Cartas Filosóficas, um elogio às instituições políticas inglesas. Lógico que a monarquia francesa não gostou e mais uma vez ele teve que sair de Paris, refugiando-se na província de Cirey com sua amante Marquesa de Charlet. Madame Pompadour, sua amiga e favorita do rei, conseguiu para François-Marie o cargo de historiador real, o título de fidalgo e um lugar na Academia, onde estavam os intelectuais consagrados do reino. Nesta fase escreve Contos Filosóficos, a partir de 1747, contando pequenas histórias em que trabalhava as fraquezas da sociedade da época (corrupção, Deus, etc.). Mais uma vez se desentenderia com a corte, o que se agravou com a morte da Marquesa de Chatelet. Mudou-se para a Prússia convidado por Frederico II, mas logo se desentenderia com o rei e iria para a Suíça em 1756, onde permaneceria muito tempo.

Indo à casa do cura de Confignon, este notou em Rousseau conflitos intensos em seu espírito. Remeteu-o com uma carta de recomendação à Senhora de Warrens, residente em Annecy, convertida recentemente ao catolicismo. Jean-Jacques tinha 16 anos e se impressionara com a beleza da mulher. O objetivo do cura era ganhar mais um converso, mas a Senhora de Warrens, não podendo incumbir-se pessoalmente da tarefa, enviou o rapaz para Turin. Em 1728 Rousseau converte-se ao catolicismo em uma cidade estranha e sem recursos financeiros. Termina por virar secretário da Senhora de Vercellis. Com a morte da patroa acusam-no de furto e o expulsam sem escutar explicações. Passa a trabalhar com o Conde de Gouvon, mas queria voltar para a Suíça e rever a Senhora de Warrens. Não sendo possível a convivência vai para um seminário em que passa quatro meses e após passa a dedicar-se a música. Termina “caçar” a Senhora em Paris envolvendo-se em diversas complicações para lá descobrir que a Senhora havia voltado para a Suíça. Resolve também voltar a pé, pois não tinha dinheiro, para ver sua protetora. Lá descobre que ela tem um novo amor.

Em Genebra Voltaire escreve o Ensaio sobre os costumes e o espírito dos povos, de 1756. É o primeiro tratado moderno de história onde ele traçou uma evolução da sociedade humana levando em consideração não só a Europa e o cristianismo, mas também a China, a Índia, o budismo e o islamismo (uma novidade tratar de tais religiões na época). Colaborou na Enciclopédia ou Dicionário raciocinado das artes e ofícios, e um verbete seu criticando o protestantismo o fez sair de Genebra, voltando para a França e se instalando em Ferney. Em 1759 publicou Cândido ou O otimismo, colocando as idéias de Laibniz, filósofo alemão, na figura do professor Pangloss. Em 1763 escreve o Tratado sobre a Tolerância, onde discutiu a questão dos dogmas religiosos. Passou a ser odiado pelos altos cargos da igreja, mas ovacionado e aclamado pelo povo, o clero esclarecido e pelos cortesãos iluministas.
Rousseau volta à Paris em 1741 para apresentar a Academia de Ciência seu trabalho musical. Rejeitam-no, mas ele faz seus primeiros contatos com a intelectualidade parisiense. A Senhora de Broglie arranja-lhe o cargo de secretário do embaixador da França em Veneza, com quem logo se desentende. No hotel que residia conheceu Thárèse Le Vasseur, que lá trabalhava e com quem se envolveu, dificultando seu sustento, pois era mulher com vasta família dela dependente. Deram-lhe de recortar um texto de Voltaire, musicado por Rameau, no qual Jean-Jacques não quis fazê-lo sem o consentimento do autor, que se fez seu amigo.
No ano de 1749 a Academia de Dijon instituiu um concurso temático de textos no qual Jean-Jacques ganhou com seu Discurso sobre as Ciências e as Artes. Estava lançado o pensador que sepultaria o músico e o pintor que havia dentro dele, porém que não o salvou de suas dificuldades econômicas. Em 1753 participou de outro concurso da mesma academia com a obra Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os homens. Para escrevê-la Rousseau isola-se no campo, longe de Paris. Neste ano volta a converter-se ao protestantismo, pois sua cidade o tinha em conta a não ser por se tratar de um suíço católico. Mas com a publicação do Discurso, Genebra o repudia, e o próprio Voltaire, vivendo na Suíça, condena-o em tons sarcásticos. Rousseau abandona a idéia de viver em Genebra e posteriormente publica Lettre sur la Providence, endereçado a Voltaire, e o esbôço da Nouvelle Héloise. Em 1758 redige Lettre à d’Alembert sur les Spetacles, em resposta a um artigo da Enciclopédia que criticava o desinteresse dos genebrinos em relação ao teatro.
Em 1762 o Contrato Social é editado em Amsterdã. No mês seguinte Emile é lançado em Amsterdã e em Paris simultaneamente. O livro é condenado a fogueira e o autor à prisão. Este refugia-se no interior da Suíça, mas ali chega a mesma sentença, levando Rousseau a refugiar-se em território Prússio. Porém Voltaire publica um panfleto que impossibilita a permanência do suíço neste território e Rousseau vaga por Estrasburgo, Londres, Normandia, Bourgoin (onde casa-se com Thérèse).

Velho e doente, Voltaire morreu em 1778 prestigiado como intelectual. Em 1790 seu corpo é levado ao panteão pela revolução francesa.

Rousseau morreu no castelo de um admirador seu, o Marquês de Girardin, no dia 2 de julho de 1778. Ninguém mais do que ele foi cultuado pelos revolucionários de 1789.

Só com a história de vida dos dois pensadores já é possível fazer suficiente relação. Notadamente Voltaire esteve sempre ligado aos grupos de poder enquanto que Rousseau estava sempre em conflito com eles. O francês era de família abastada e nada passou de dificuldades financeiras ao longo da vida enquanto que Jean-Jacques era de família humilde, não conheceu a mãe e foi abandonado, por dificuldades econômicas, pelo pai, tendo sido criado por uma tia, e jamais conheceu a riqueza ou passou por um período digno de menção em que folgasse dinheiro. François-Marie teve curso superior, o que o suíço jamais tivera. A amante do primeiro era uma marquesa; a do segundo uma copeira de hotel. Em comum os dois tiveram o eterno olhar desconfiado da igreja e o mesmo ano de morte, tendo ainda assim o pensador de Genebra vivido 16 anos a menos e passando longo tempo de sua vida em precário estado de saúde.
De Voltaire podemos dizer que possuía a alma mais quieta, estabelecendo-se quando possível em Paris, senão estando em um lugar que possa fixar-se. Quanto a Rousseau, o espírito lhe inquietava sempre que se encontrava muito tempo no mesmo lugar, arrumando sempre confusões com os nobre que lha davam abrigo. Essas diferenças marcantes os colocaram em confronto por diversas vezes, confronto este iniciado por Voltaire quando o genebrino escreveu o seu Discurso da desigualdade. Desde então um não parara de perseguir o outro, estando sempre Voltaire em posições mais favoráveis de confronto, pois era mais ligado ao poder que ambos combatiam, mas ninguém com tanta paixão e afinco como Rousseau.

Cândido ou otimismo

Publicado em 1759, Voltaire contrapunha sua visão pessimista do mundo à visão do filósofo alemão Leibniz, que acreditava que o homem vivia no melhor dos mundos possíveis. A narrativa gira em torna de Cândido, um jovem que é expulso do castelo onde cresceu e vê-se obrigado a enfrentar a vida sozinho. No mundo só conhece a infelicidade, a corrupção e a injustiça, mas o Dr. Pangloss sempre o convence a ficar feliz, pois as coisas sempre acontecem da melhor maneira.
O instituição mais combatida em todo o livro é sem dúvida a igreja, contra a qual Voltaire sempre combateu e pela qual foi muito perseguido, principalmente depois de seu Tratado sobre a tolerância. Mas em Cândido o primeiro grande confronto está na hora em que Pangloss e seu discípulo ajudam pessoas a escaparem dos escombros do terremoto em Portugal e ao dizer que as pessoas não devem chorar pois tudo ocorre da melhor maneira, um homem da inquisição o aborda e assim Pangloss foi enforcado com mais cinco pessoas em praça pública e muita festa da população. Por ser considerado discípulo, Cândido foi acoitado até desmaiar, duvidando pela primeira vez do otimismo de seu mestre.
Mas a primeira crítica a sociedade em todo o livro é ao estado de guerra. Cândido o descobre quando entra para o exército e logo descobre que a guerra chegou às terras do Barão, matando toda a família, inclusive Cunecundes, escapando apenas o Dr. Pangloss.
Agora, uma boa crítica à sociedade de hoje está na hora em que Cândido e Cacambo chegam à cidade de Eldorado. Ali o autor trabalha não só o homem mais próximo de seu estado natural como também idealiza a cidade ideal, que, no caso, não teria religião e os habitantes não se importariam com o dinheiro ou o ouro. Para chegarem na cidade pegaram uma condução que “os levou, sem perguntar o porquê ou que destino tomavam ou de onde tinham vindo”. Logo foram em uma estalagem em que comeram do melhor que ela tinha a oferecer, ao entregarem as pedras preciosas que encontraram na rua o estaleiro falou: “Bem vejo que os estrangeiros –disse se desculpando- nunca passaram por cá. Não reparem o meu sorriso, é que achei muito engraçado receber por pagamento essas pedrinhas da rua. Com certeza não possuem a moeda nacional. Mas também, pra que precisam?! As nossas hospedarias, tavernas e estalagens, pra comodidade pública, são pagas pelo governo.”
No que concerne à religião, quando Cândido perguntou ao sábio se por acaso não cultuavam algum deus, o sábio ficou chocado: “Como pode duvidar de tal coisa, meu amigo?! Por acaso há de pensar que somos um povo ingrato? É claro que temos Deus, adorado dia e noite por toda a população.” Quando Cacambo perguntou qual era a religião, o velho respondeu sem graça: Religião, só há uma! Não há duas nem três! Pois existe só um Deus! Francamente, me fazem cada pergunta!... Sobre rezar: não rezamos, meu senhor! –disse o homem muito sério- nada temos a pedir a Deus, nosso protetor, pois ele tudo nos dá. Dos cultos e dos sacerdotes: todos somos sacerdotes. A cada manhã do dia, nosso rei, em seu palácio, e os chefes de família, em suas casas modestas, entoam ações de graça. Todos os músicos, nas cidades e aldeias, tocam os seus instrumentos, acompanhando o evento. Assim ocorrendo pela noite. Das condenações e disputas religiosas, diz o sábio se espanta: Como condenar pessoas? De que disputas você fala? Infeliz será o povo que tem isso por costume! E não posso acreditar que seja assim na Europa! O que Voltaire mais critica aqui, é o contato do homem selvagem com o europeu, pois Eldorado foi a única cidade que resistiu aos ataques espanhóis por estar em um lugar inacessível, por isso mantém sua virtude. Os membros que saíram da cidade foram cruelmente assassinados pelos ibéricos.
Estando Cândido em Suriname, o livro faz uma crítica a outro povo massacrado pelos europeus, desta vez o escravo negro. Tendo sido roubado por um pirata holandês, vai a um juiz, situação a qual o autor aproveita para criticar a lentidão e burocracia do judiciário. Indo para Paris, um frade arma uma cilada para ficar com o dinheiro de nosso heróis, mas com dinheiro subornam o guarda que foi aprisionar Cândido, e é o frade quem acaba preso, em uma clara alusão à corrupção policial.
Em Veneza, Cândido ceou com seis reis no carnaval. Todos ali foram depostos de seu cargos e desta vez as referências do escritor se direcionaram ao sistema monárquico. Já no final do livro reencontram Cunecundes tão feia como pode ser uma mulher e ao pedi-la em casamento para o barãozinho este não cede por ser de casta superior, mesmo estando na mais miserável condição. Uma clara alusão a uma nobreza decadente européia, que quer manter as aparências mesmo quando todos vêem que não existe nem isso para sustentar. Uma nobreza que estava perdendo cada vez mais espaço para a burguesia, que vivia em um mundo dinâmico de ascensão e queda mas que se apegava ao que lhe restava: o sangue, a história.
Por fim o livro se mostra como uma grande exortação ao trabalho, pois a vida de miséria e de infelicidade que levavam todos só encontrou um sossego quando passaram a todos trabalharem. De certa forma o mestre Pangloss estava certo, pois todos os personagens iniciais do livro se reencontraram e passaram a viver juntos. Outros mais, como Martinho e o diácono, aumentaram a família. Pode-se dizer até que eles ficaram felizes para sempre.

Sobre as Ciências e as Artes

Só quem leu o Discurso Sobre as Ciências e as Artes sabe a coragem do autor em enviar para o concurso da Academia de Ciências de Dijon, para o concurso sobre o tema “Contribuiu o restabelecimento das ciências e das artes para o aperfeiçoamento dos costume?”. Ilude-se quem imagina encontrar sequer um elogio às ciências ou às Artes, pois ambas são massacradas pelo autor como responsáveis pela inércia e ignorância humanas. Aliás, é uma verdadeira apologia da ignorância. “A arte amolece o espírito e corrompe a sociedade. Mais vale conquistar o mundo do que ser um mundo de arte”, diz Rousseau (p. 213-14). Ressalta que as grandes civilizações caíram quando passaram a dedicar-se às artes e ciências (Egito, Grécia, Roma); crítica a filosofia, dizendo que ouvindo os filósofos os tomaríamos por um bando de charlatães (p.228). Fala mal nitidamente do próprio iluminismo: “Deus todo poderoso! Tu que tens nas mãos os espíritos, livra-nos das luzes e das artes funestas de nossos pais, e dai-nos a ignorância, a inocência e a pobreza” (p. 229). Desacredita os mestres dizendo que os grandes gênios destes não precisaram, e que o ensinamento de um iria apenas limitar um bom pensador (p. 229). Por fim, por esses trechos é possível visualizar como confrontou aqueles que o deram o primeiro prêmio e exorta a virtude como única arte e ciência que o homem deve seguir.

Sobre a Desigualdade

Este foi um tema bem discutido ao longo da disciplina, assim darei algumas pinceladas. Quando apresentei o trabalho sobre o Discurso sobre as Origens e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, pensei que seria fácil expor em sala de aula as idéias de Rousseau, afinal, a desigualdade não é algo difícil de explicar, ainda mais lendo um autor tão apaixonante. Porém foi como explicar a simples frase “penso logo existo” de Descartes. Óbvia de início, mas de difícil explanação.
Rousseau trabalha o homem de natureza e fundamenta a origem da desigualdade com o advento da propriedade privada. A partir do momento que passa a viver em sociedade, desvincula-se da natureza e passa a perverter-se. Essa perversão é a busca de sua virtude original que nunca mais encontrará e a qual sempre procurará substituir, indo sempre ao caminho da desgraça. Jean-Jacques trata a linguagem e o trabalho como a queda do mundo perfeito e a ascensão para a alienação. A propriedade privada e por conseguinte a sociedade é que marcam o estado de guerra. Nessa construção do homem social, as catástrofes naturais é que teriam unido o homem e este organizado-se familiarmente, aos poucos deixando a natureza para constituir uma comunidade aos moldes familiar. Assim surgiria o trabalho como cooperação comunitária e junto a língua como advento da consciência da alteridade entre os próprios homens (MATOS, O., p12). Essas duas propriedades alteram a maneira de ser dos homens e tiram o homem do “amor por si” lavando-o ao “amor-próprio”. Logo viriam a questão do “meu” e assim a propriedade, o trabalho alienado, a submissão. Passou-se da força para o poder. O homem separado da natureza aliena-se por que passa a depender de produtos esternos produzidos por ele para sobreviver, acreditando que depende deles e não do trabalho que os produz. O ser humano caiu do paraíso para o qual nunca mais voltará. Caiu em desgraça e para a desgraça continuará. Um pouco negativo, ele, não?



O contrato social

Tentarei ser breve e claro para explicar o que é o contrato social. Imaginemos o homem nos seus primeiros tempos, em que ele era livre. Como dito antes, catástrofes naturais os uniriam e eles se organizariam em famílias, que mais tarde daria origem à sociedade. Entre os homens livres existe o conceito do “eu”, a individualidade, mas o ser humano abre mão do “eu” pelo “meu” quando passa a viver em sociedade, pois esta surge com a propriedade privada. Neste estado o homem já não tem total liberdade e para cada um defender o “seu” surge o Contrato Social, em que a vontade individual dá lugar à vontade universal, a força lugar ao poder e a sociedade ao estado de guerra, pois a vontade de ampliar o “meu” faz com que homens ambiciosos entrem em conflito entre si por mais propriedade. Este contrato social mais tarde é regido por leis, que a princípio é a vontade de todos nas mão de todos e em que os que criam as leis devem estar igualmente a elas submetidas.
Para Rousseau existem quatro tipos de leis no seio social: políticas, para reger os homens; civil, para regular a liberdade entre os homens, deixando-os livres entre si mas dependentes do Estado; leis criminais, para aqueles que desobedecem as leis e as normas culturais, a mais importante de todas elas. O Estado, por sua vez, seria formado pelo soberano, que executaria as leis; o governo, que ficaria entre o soberano e os vassalos garantindo os direitos e impedindo abusos através das leis; e logo viriam os vassalos, ou o povo.
O Contrato Social lembra em muitos aspectos a obra O Príncipe de Maquiavel, mas exalta à república. Durante a obra trata-se de todas as formas de governo teorizadas por Aristóteles, acrescentando dados a mais. Diz que a democracia só seria possível em um povo de deuses, pois é muito perfeita para os homens, e, como dito, ressalta a república como único sistema virtuoso para os homens.
Rousseau acreditava que os grandes Estados tinham pouco ou nada de solução, mas chegou a elaborar constituições para pequenos Estados, como a Polônia. A política era um de seus temas favoritos.


Considerações

A obra de Rousseau é como o seu espírito: inquieta. Não podemos dizer que existe uma forte coerência em sua obra, pois não é de toda amarrada, mas sem dúvida apaixona, como ele se mostra apaixonado pelo que faz. Atinge a todos, mesmo quando tenta elogiar, como no caso do Discurso sobre a Desigualdade em que começa elogiando Genebra, que vê, dentro daquele Discurso, uma ofensa. Não precisava de uma razão para desentender-se com as pessoas, sua própria razão contestadora o colocava em cheque quando se encontrava em presença de algum poderoso. Sua obra é direta e ofensiva. Emílio, um romance que ofendeu tanto quanto suas teses, é um exemplo que com a mesma linguagem, Rousseau agredia mais que Voltaire com Cândido.
Voltaire já era um homem de razão forte, menos apaixonado e mais lógico. Quando defendeu, como advogado, cristãos acusados e condenados por heresia, escreveu o Tratado sobre a Tolerância. Ele, sim, precisava de um motivo no que escrevia e era mais polido contra o poder, afinal, podemos dizer que nunca esteve fora dele, assim como sua família. Tinha contato direto com reis, condes, marqueses e ou conhecia a fundo suas dificuldades ou aprendeu ainda cedo que a Bastilha é um mal lugar para se viver. Seja como for, as teses de Rousseau ofenderam também a Voltaire, que quando pode, combateu duramente o suíço.
Mas também não tinham ambos pontos em comum? Sim e no pouco que colocamos fica perceptível, porém o que diferenciava mesmo era na maneira com que expunham seus pensamentos. Ambos foram levados para o Panteão de Paris, tendo morrido longe se seus locais de nascimento, pois em Paris não dariam sepultura cristã a Voltaire, e em Genebra Rousseau estava por demais mal visto. Ambos foram tidos como heróis pela Revolução Francesa, embora, justiça seja feita, Rousseau tenha sido o grande ídolo dos jacobinos, que lamentaram ele não estar vivo para presenciar a revolução. Um revolucionário, era Rousseau, e isto Voltaire nunca se propôs a ser.
Dentro dessa proposta revolucionária Rousseau certamente sobreviveu mais que Voltaire, o que é visível se notarmos os estudos posteriores feitos sobre um e outro. É o que mostra Olgária C. F. Matos e o que apresentou F. Engels na sua obra Anti-Düring. Podemos notar em Marx uma evolução racional e materialista de Jean-Jacques ou antes em Hegel. Enfim, todos os teóricos que propuseram mudanças pós-Rousseau, utilizaram-se, de uma maneira ou de outra, do legado rousseauriano. Sua obra, combatida em seu tempo, sobreviveu a ele, seus contemporâneos e está viva até os dias de hoje, ao pelo menos enquanto houver governos e desigualdades.
Mas afinal, que cobra de duas cabeças é essa? É a melhor maneira de representar o iluminismo através de seus dois principais pensadores, e se estão as cabeças em lados opostos é porque se manifestavam de maneiras divergentes: uma (Voltaire) o raciocínio lógico e a outra (Jean-Jacques) o raciocínio apaixonado

Bibliografia

• PADOVANI, U. & CASTAGNOLA, L. História da filosofia. 12 ed. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1978.
• REALE, G. & ANTISERI, D., História da filosofia. 3vol. V.2. São Paulo: Ed. Paulinas, 1990 (coleção filosofia)
• ROUSSEAU, J.J. O Contrato Social e outros escritos. São Paulo: Cultrix,
• MATOS, O. Rousseau uma arqueologia da desigualdade. São Paulo: Ed. MG, 1978
• VOLTAIRE. Cândido ou o otimismo. São Paulo: Scipione

2 comentários:

  1. Fantástico seu texto, um excelente panorama da história desses dois monstros da filosofia, que tanto contribuíram para a revolução francesa.
    Fica aqui registrado meus parabéns!

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  2. Gostei bastante do texto! Bem escrito e claro, contendo todas as informações até para os que não conhecem bem o Contexto/História de cada dos filósofos. A alternação de Voltaire e Rousseau no começo do texto, por mais que seja criativa, pode confundir destraidos. E em relação à fonte, o "m" e o "rn" parecem iguais, e mesmo que se possa identificar as palavras, a semelhança prejudica, na minha opinião, a fluidez do texto.
    Espero que a crítica tenha sido construtiva! Em todo caso, parabéns pelo texto!

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