sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Nietzsche Entre Montanhas

Dos aforismos, retirarei um de cada livro entre os citados: Ecce Homo, Assim Falou Zaratustra e O Anticristo e ainda um da obra Aurora. Começando por este último:

“Ai! Nenhum de nós conhece o sentimento que experimenta o torturado depois da tortura, quando foi reconduzido à sua cela com o seu segredo! –Ele o guarda entre os dentes. Como querem conhecer o júbilo da altivez humana ”.

Recentemente tivemos no congresso brasileiro um caso em que o senador José Agripino (DEM-RN) questionou a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, insinuando que a ministra poderia estar mentindo em suas entrevistas, já que quando foi torturada, mentiu aos militares brasileiros . Não vou adentrar no caso mas deixo abaixo o incidente tal como ocorreu e está registrado no you tube. A ministra responde a José Agripino Maia:

“Eu tinha 19 anos, eu fiquei três anos na cadeia e eu fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para seus interrogadores, compromete a vida dos seus iguais. Entregam pessoas para serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, senador, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia se fala a verdade. Diante da tortura, quem tem coragem, dignidade, fala mentira”.

Embora o que eu tenha aqui não seja especificamente um belo comentário sobre o aforismo nitzschiano, posso apenas afirmar que, como disse o filósofo alemão, eu não sei qual sentimento experimenta o torturado quando consegue guardar o seu segredo. Mas já que no Brasil tivemos a má oportunidade de viver sobre um regime ditatorial militar e, infelizmente, tivemos muitas pessoas torturadas, ao menos nos restou o orgulho daqueles que puderam guardar tais segredos entre os dentes e que aqui podem nos informar com um orgulho à beira do choro (embora com uma pontada de indignação diante da insinuação do senador Agripino) como é escapar de três anos nas mãos de torturadores com o segredo ainda guardado.

“A última coisa que eu haveria de prometer seria ‘melhorar’ a humanidade. Eu não haverei de erigir nenhuns novos ídolos; que os velhos aprendam o que significa ter pés de barro ”.

Pois bem, antes de tudo, vale lembrar que Nietzsche escreveu a obra “Crepúsculo dos Ídolos ” na qual fala do quanto os ídolos interferem no desenvolvimento intelectual humano fazendo com que os homens caminhem com o que aqui ele denominou de “pés de barro”. Esta obra “crepuscular” tem como um dos objetivos ironizar os anteriores filósofos da humanidade, chocando a própria filosofia tradicional. Nada muito forte perto do que irá ocorrer após o livro “O Anticristo”.
Em todo caso, isto, em minha opinião, reforça a idéia de que este filósofo não criou uma filosofia da arrogância. Ao menos não uma arrogância pura e simples, sem uma profunda complexidade.

Nem seu Zaratustra e nem ele próprio (há pouca diferença entre eles) buscam a mitificação, a idolatria. Zaratustra jamais chega a ser um falante popular, mais perseguido que amado e seguido apenas por um punhado de homens superiores. Homens que, por serem superiores, devem encontrar a solidão, fugir dos ídolos e propagar a morte de Deus.

Do Zaratustra, chega até a ser difícil escolher um aforismo dentre tantos que podem ser escolhidos ao longo da obra. Farei como indica o livro “Minuto de Sabedoria” no qual sugere que tudo o que ali está é sábio e que basta ao leitor abrir aleatoriamente em qualquer página e ler o que ali está contido, refletindo sobre o que foi lido e aprendendo algo com aquilo.
No sorteio sai “Como quereis renovar-te sem primeiro te reduzires a cinzas? ”. Esta frase remete a diversos elementos do conjunto da obra de nosso autor. A pergunta afirma na realidade que um filósofo ou um sábio deve se destruir, afastar-se do que é virtuoso, do que é bom, do encontro ao caminho que “te guia a ti mesmo ”, o caminho sem facilidades, o caminho da solidão, o caminho aflitivo a si próprio, o caminho livre dos bons e justos, livre dos impulsos do amor, o caminho da vida nas cavernas e nos bosques, o caminho sempre diante dos próprios demônios. “Serás herege para ti mesmo”, diz Zaratustra, “serás feiticeiro, adivinho doido, incrédulo, ímpio e malvado”. O sábio se consome na própria chama para chegar ao caminho do criador, ama a si próprio e por isso se despreza “como só desprezam os amantes”. “Eu amo o que quer criar qualquer coisa superior a si mesmo e dessa arte sucumbe”.

Como eu disse, é até difícil escolher algo semelhante a um aforismo nesta obra cheia de sabedoria nietzschiana.

Vamos, portanto, ao último aforismo. Aquele retirado da última obra que li de Nietzsche e que, portanto, é a que mais ressona em minha mente no momento.

Cresci em uma família em que eu perguntava a meus pais e tios “afinal, Deus existe?”. A resposta variava muito pouco. Como alguns são católicos enquanto outros ateus inveterados, a resposta ensaiada por todos girava em torno de “quando você crescer você decide” ou “quando você crescer você descobre”. Assim, o ateísmo faz parte de mim desde os poucos anos de idade, quando decidi que a idéia de Deus não fazia sentido ou simplesmente não me satisfazia. Apenas lembro que na adolescência era legal e diferente ser o único ateu da turma.

Ainda assim, a obra O Anticristo não deixou de ser um “soco no estômago”. Um tratado contra o cristianismo elaborado de maneira contundente por um filósofo que foi filho de um pastor protestante e que, também em função disto, conhecia profundamente a bíblia (com B minúsculo mesmo).

Desta maneira, pego uma frase do início do livro no qual sintetiza o que para Nietzsche é o cristianismo. “O que é mais nocivo do que todos os vícios? –A compaixão que suporta a ação em benefício de todos os fracos, de todos os incapazes: o cristianismo ”.

Não há razão para prolongar comentários aqui mais do que os que já foram ditos. Fica claro porém o que, para Nietzsche, há de nocivo no cristianismo. A piedade, a compaixão e os princípios cristãos como um todo enfraquecem o homem e a sociedade. Nietzsche luta contra todos os dualismos, principalmente aqueles maniqueístas impostos pelo cristianismo. Deus está morto, O Anticristo são os novos valores de uma humanidade que deve aprender a viver sem Deus.

Aqui Nietzsche é quase niilista, e o cristianismo é o caminho de respostas que vão contra a própria existência da vida. Mas contra o dualismo tal como é Nietzsche, nesta obra também fica claro o quanto nem a fé nem a razão são os caminhos certos da existência humana. Apesar do que sugere o título, Nietzsche é um grande admirador de Jesus Cristo, acreditando ter sido ele o único e verdadeiro cristão. Por isso, uma outra frase importante do pensador ao dizer que “o evangelho morreu na cruz”.

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